Células-tronco embrionárias: Por que tanta polêmica?

Notícias sobre a utilização das células-tronco embrionárias reapareceram com destaque nos jornais e revistas. Desta vez, o motivo é o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3510 contra a Lei da Biossegurança, sancionada em março de 2005. Esta Ação considera inconstitucional o artigo 5º da Lei da Biossegurança, que permite o uso, para fins de pesquisa e terapia, das células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos que foram produzidos por fertilização in-vitro, que são inviáveis ou que estão congelados há três anos ou mais nas clínicas de reprodução assistida, e cujos pais tenham dado o consentimento.
A Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida estima que haja cerca de três a cinco mil embriões congelados, que poderiam ser utilizados nas pesquisas por obedecerem às exigências da Lei de Biossegurança. O simples descarte deles é proibido, mas ao mesmo tempo, não existe ainda legislação sobre o procedimento a ser adotado com os embriões velhos, considerados inviáveis para serem implantados, e que estão sendo mantidos congelados a -196°C desde o quinto dia após a fecundação.
O principal problema ético apontado pelos que condenam as pesquisas com as células-tronco embrionárias é de que as técnicas empregadas para obtê-las implicam na destruição do embrião humano. A Ação movida pela Procuradoria considera que o “embrião humano é vida humana” e se ampara no artigo 5º da Constituição brasileira que garante o direito inviolável à vida, o que significa que a permissão para uso dos embriões congelados seria, por isso, inconstitucional.
O julgamento da Ação contra a Lei da Biossegurança está dependendo, portanto, do Supremo Tribunal Federal estabelecer quando começa a vida humana. E esta é, sem dúvida, uma questão muito ampla, que não se restringe apenas aos seus aspectos biológicos.
Diante de tamanha complexidade, pela primeira vez na sua história, o Supremo Tribunal Federal promoveu uma audiência pública, ocorrida no dia 20 de abril, em que representantes da comunidade científica puderam dar as suas informações e opiniões sobre quando começa a vida humana.
Será que ela se inicia com a fecundação, quando surge o zigoto que tem uma identidade genética diferente da dos seus pais? Ou quando o embrião se prende na parede do útero, mais ou menos no sétimo dia após a fecundação? Ou quando se formam as estruturas que originarão o sistema nervoso, por volta do décimo-quarto dia? Ou ainda quando o coração começa a bater, em torno do vigésimo-primeiro dia?
Não existe um consenso sobre isso do ponto de vista científico e nem do religioso. A resposta, do ponto de vista jurídico brasileiro, só será conhecida depois que os juízes chegarem a uma conclusão.
Mas, afinal de contas, o que são células-tronco embrionárias?
Elas consistem em cerca de 30 células da massa interna do blastocisto, que é o embrião com de 4 a 6 dias, constituído por apenas cerca de 150 células. As primeiras células-tronco embrionárias humanas foram isoladas e cultivadas em 1998, por James Thomson e seus colegas da Universidade de Wisconsin-Madison, nos Estados Unidos, e desde então o interesse da comunidade científica mundial por elas só aumentou.
Tanto interesse vem do fato delas possuírem propriedades únicas: são indiferenciadas e não-especializadas, com uma elevada capacidade de proliferação, podendo gerar células que continuam indiferenciadas como também se diferenciarem e se especializarem em qualquer um dos mais de 220 tipos celulares do corpo humano.
O corpo de uma pessoa adulta é constituído de trilhões de células, algumas altamente especializadas, como as fibras musculares cardíacas e os neurônios, por exemplo. As células muito especializadas geralmente apresentam capacidade de reprodução bastante reduzida e por isso, quando são lesadas, a sua regeneração é muito difícil e, algumas vezes, quase impossível.
Se os pesquisadores descobrirem de que modo se promove a diferenciação das células-tronco embrionárias nos tipos específicos que o organismo estiver necessitando, diversas doenças poderão ser tratadas mais eficientemente, melhorando a qualidade de vida de muitos doentes. Por exemplo, se uma pessoa sofreu um acidente automobilístico e ficou tetraplégica devido a uma lesão medular, a terapia com células-tronco poderia possibilitar uma regeneração parcial ou total do tecido lesado, com a recuperação das funções perdidas.
Células-tronco também são encontradas na placenta, no sangue do cordão umbilical e em praticamente todos os tecidos do corpo: mas elas parecem ter menor capacidade de diferenciação e especialização do que as células-tronco embrionárias. Essas células são denominadas células-tronco adultas, com destaque para as hematopoiéticas, localizadas na medula óssea vermelha, e que têm sido muito utilizadas no tratamento de doenças como a leucemia, por exemplo.
A maior capacidade de diferenciação das células-tronco embrionárias é um dos argumentos usados na defesa de sua pesquisa: a compreensão dos mecanismos desse processo poderia contribuir para o desenvolvimento de novas técnicas que também aumentassem a capacidade de diferenciação das células tronco-adultas. Por outro lado, os que são contrários às pesquisas com embriões afirmam que já foram realizadas várias experiências demonstrando que as células tronco-embrionárias são instáveis e com tendência a produzirem tumores que crescem de maneira desordenada, formando diversos tecidos e que têm tendência à malignidade.
Até o momento, há muito mais dados experimentais obtidos com as células-tronco adultas. Especialmente nos tratamentos de lesões medulares, acidente vascular cerebral, infarto e doença de Chagas, os resultados obtidos têm sido bastante promissores. Mas é importante lembrar que essas pesquisas vêm sendo realizadas a mais tempo em todo o mundo porque, até recentemente, a utilização dos embriões humanos nas pesquisas com células-tronco eram proibidas em diversos países.
A maioria dos tratamentos com as células-tronco adultas utiliza uma técnica chamada de autotransplante, que consistem na retirada e re-injeção das células-tronco do próprio paciente. O grande problema, segundo os defensores das células-tronco embrionárias, é que o autotransplante é totalmente inútil para o tratamento de cerca de 5 milhões de brasileiros que apresentam doenças genéticas graves como a distrofia muscular de Duchenne e a esclerose lateral amiotrófica. Neste caso, o defeito genético está presente em todas as células do corpo, inclusive nas células-tronco e, portanto, para essas pessoas, o tratamento mais promissor poderia ser realmente o uso das células-tronco de um embrião não-portador do defeito genético.
A maioria das pesquisas com células-tronco tem menos de dez anos. Não parece razoável afirmar que uma linha de pesquisa seja mais promissora do que outra.
Poucos países do mundo, como por exemplo, a Inglaterra, a Suíça, o Japão e a Coréia do Sul, permitem pesquisas com as células-tronco embrionárias humanas. A decisão do Supremo Tribunal Federal determinará, portanto, se os pesquisadores brasileiros poderão ou não ter a chance de realizarem pesquisas pioneiras com esse tipo de células e contribuírem para o desenvolvimento de novas terapias, que sejam mais eficientes do que as existentes atualmente.

Fonte: http://www.cdcc.sc.usp.br/

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